Pressões da profissão comprometem a saúde mental de médicos-veterinários
A Medicina Veterinária tem o importante papel de cuidar não somente da saúde dos animais, como também dos seres humanos. Contudo, muitas vezes, a saúde mental dos profissionais é a mais prejudicada. De acordo com um estudo realizado pela Centers for Disease Control and Prevention (CDC), a taxa de suicídio entre médicos veterinários é 3,5 […]
Por
Alejandro Marques Marques
09/09/2025
Atualizado às 16:45
A Medicina Veterinária tem o importante papel de cuidar não somente da saúde dos animais, como também dos seres humanos. Contudo, muitas vezes, a saúde mental dos profissionais é a mais prejudicada.
De acordo com um estudo realizado pela Centers for Disease Control and Prevention (CDC), a taxa de suicídio entre médicos veterinários é 3,5 vezes mais alta do que entre o resto da população em geral.
Além disso, uma pesquisa realizada no Brasil em 2023 revelou que 93% dos médicos-veterinários consideram o estresse um dos maiores desafios da profissão, e 74% afirmaram que a realização de eutanásias é um dos momentos mais difíceis da prática clínica.
Esses dados chamam atenção e acendem um alerta para a necessidade de cuidar daqueles que dedicam a sua vida a cuidar do próximo.
A psicóloga especialista em luto e em prevenção e posvenção do suicídio, Joelma Ruiz, comenta que a prática da Medicina Veterinária oferece uma experiência única: a de promover cuidados aos animais. Porém, simultaneamente, leva os profissionais a se exporem a situações de crise.
“Isso porque, cotidianamente os médicos-veterinários entram e saem de histórias dramáticas narradas pelo cliente, sem tempo suficiente para refletir como tais cenários, mortes e relatos de vida dos pacientes e seus familiares influenciam nas rotinas pessoais e profissionais deles”, esclarece.
Manejo do estresse é um desafio
Ela ainda explica que a falta de manejo do estresse é um dos maiores desafios e pode ser responsável por diminuir a atenção e levar a confusão mental. A consequência disso são erros na prescrição de medicamentos e falhas na comunicação com os familiares dos pacientes, por exemplo.
“Os médicos-veterinários podem sofrer devido a alguns estressores, como o estresse de disponibilidade, no qual há uma demanda para estar permanentemente disponível. Por conta disso, é importante realizar um auto cuidado digital para aprender o que faz bem e o que faz mal no mundo digital”, pontua.
Outro ponto relatado pela psicóloga é que os médicos-veterinários competentes estão propensos a viver no limite da sua saúde pela responsabilidade, autocobrança e necessidade financeira, apresentando dificuldade de se priorizar para a vida fora do trabalho.
“Temos a necessidade de discutir a saúde mental dessa categoria. Não estar preparado psicologicamente para enfrentar as dores e as perdas do cotidiano, como não ser acolhido ou compartilhar suas emoções após atendimentos críticos, faz com que o sofrimento acabe sendo vivenciado em silêncio. Tal situação contribui para o adoecimento mental e físico do profissional, podendo prejudicar tanto as atividades laborais quanto o bem-estar pessoal e as relações familiares e profissionais”, alerta.
O luto é um dos principais desafios dos médicos-veterinários e requer acolhimento adequado para não prejudicar a saúde mental (Foto: Reprodução)
Diversos são os gatilhos psicológicos
Joelma pontua quatro fatores principais que levam a sofrimento psicológico dos médicos-veterinários. Um deles é o luto do profissional que não é validado.
“O processo do luto pela perda do paciente não é apenas emocional, respostas fisiológicas acontecem. Nossa frequência cardíaca, geralmente, aumenta, assim como os hormônios do estresse. Como consequência dificultam a alimentação e o sono. Circuito neurais também são ativados e há diminuição da liberação do neurotransmissor Dopamina. Essa desconexão entre essas áreas pode fazer com que as pessoas enlutadas se sintam emocionalmente “sobrecarregadas” e incapazes de lidar de forma eficaz com a vida cotidiana.
A empatia excessiva, muitas vezes aplicada na rotina também pode prejudicar a saúde mental dos veterinários.
A psicóloga explicaque a atenção emocional e ao reparo emocional necessita de autoavaliação e não é controlável. Com isso, é necessário nomear e, posteriormente, regular a própria emoção.
“Sem regulação adequada e com estratégias de enfrentamento mal adaptativas focadas na evitação, pode ocorrer ruminação, supressão do pensamento e auto culpabilização”, complementa.
Além disso, existe a fadiga por compaixão, caracterizada pelo estresse emocional de cuidar do outro em sofrimento.
“Um dos principais resultados da fadiga de compaixão é a síndrome do esgotamento profissional ou de Burnout, associada ao trabalho de profissionais da saúde que estão em contato diário com a dor e sofrimento. Ocorre quando o resultado do estresse crônico no local de trabalho não foi gerenciado com sucesso”, informa.
Sinais de que a saúde mental não vai bem
Com tantos desafios, nem sempre é fácil olhar para si e perceber que a saúde mental está prejudicada.
No entanto, alguns sinais podem ajudar nesse sentido. A especialista recomenda ficar atento as manifestações do luto.
“Nesses momentos são despertadas diversas reações emocionais esperadas, como estado de choque, sentimento de torpor e atordoamento, incapacidade de compreender o que aconteceu, expressões de sofrimento e desespero, tristeza, ansiedade, culpa e/ou raiva”, exemplifica.
Fisicamente falando, a profissional comenta que é possível ocorrer diminuição do apetite, perda de peso, dificuldade de se concentrar e falar, perturbações do sono e sonhos frequentes.
Já os sintomas da fadiga por compaixão ou Burnout são um pouco diferentes.
“Dentre eles estão diminuição da compaixão pelos animais e clientes; diminuição do estado geral de saúde; enxaqueca; dores musculares; insônia; baixa autoestima; e até manifestações na pele”, pontua.
Além disso, também pode-se notar dificuldade de concentração, diminuição do rendimento profissional, sentir-se desencorajado ou abatido, vivenciar um sentimento de impotência para resolver problemas; exaustão e irritabilidade.
Como zelar por uma boa saúde mental?
Joelma comenta que na Psicologia a autonomia é a capacidade do indivíduo de se sentir psicologicamente livre, sendo a fonte do próprio comportamento e tendo controle sobre a própria vida.
“Isso parece impossível pensando na rotina do médico-veterinário, pois significa tomar decisões com base na própria vontade e não por pressões externas. Noentanto, é possível A autonomia envolve autoconhecimento, independência, autorregulação emocional e a habilidade de agir de acordo com os próprios valores e objetivos”, esclarece.
Segundo ela, é verdade que no dia a dia muitas vezes fazemos coisas que não queremos: trabalhamos em horários que não gostamos, frequentamos lugares por obrigação, entre outros compromissos.
“Todavia, quando escolhemos conscientemente fazer algo — como uma caminhada de 20 minutos no horário e local que preferimos — estamos exercendo autonomia em pequenas ações. Esses pequenos gestos fazem diferença: fortalecem nossa sensação de controle e contribuem significativamente para a saúde mental. Significam ter a autonomia de se colocar na sua própria agenda”, esclarece.
A psicóloga também aponta que é importante identificar vulnerabilidades e os gatilhos da instabilidade emocional. Como exemplo coloca excesso de mídias sociais, consumo de lixos mentais, colegas de trabalho, finanças, conflitos sociais ou familiares e até doenças.
A prática de atividades físicas colabora não somente com a saúde física, mas também com a saúde mental (Foto: Reprodução)
Cuidando do psicológico na prática
Um dos grandes desafios dos médicos-veterinários é conciliar a vida pessoal e a profissional, o que interfere diretamente na saúde mental.
Sobre isso Joelma afirma que é essencial ter um ideal e saber para onde ir e onde se quer chegar. Cultivar a disciplina também é importante, pois a desorganização desenvolve ansiedade e pensamentos negativos.
Dessa forma, a psicóloga dá algumas dicas que podem ajudar os profissionais da Medicina Veterinária:
Sono Regular: pesquisas indicam que adultos precisam dormir entre seis e oito horas por noite. Dormir mal pode gerar estresse, aumento do nível de cortisol, prejudicar as atividades do dia a dia e promover um desequilíbrio mental e corporal. Por isso, é importante dormir bem.
Atividade Física: praticar atividades físicas favorece diversos processos metabólicos. Mantém o sistema cardiovascular saudável; faz a liberação de substâncias de prazer e relaxamento; Previne ansiedade e depressão; e até ajuda no funcionamento do sistema gastrointestinal. A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda pelo menos 150 minutos de atividade física moderada por semana para adultos, o que equivale a cerca de 20 a 40 minutos por dia.
Manejo do estresse: para isso é indicado ter algum hobby e vivenciar momentos de lazer. Boas práticas nesse sentido são leitura, meditação, jardinagem e encontro com pessoas queridas.
Cuidado com as Redes Sociais: redes sociais e excesso de internet devem ser manejados com atenção, pois podem trazer consequências prejudiciais ao indivíduo.
Alimentação: nós somos o que comemos. Por isso, deve-se prezar por uma alimentação que supra todas as necessidades nutricionais. Já as substâncias lícitas, como nicotina, álcool, medicamentos e fármacos no geral, devem ser manejadas com a devida atenção e cuidado;
Regulação Emocional: Cada vez mais devemos treinar nossa concentração para não permitirmos que pensamentos negativos roubem nossa energia. Por isso, é necessário estar presente de corpo, mente e alma no agora e concentrado em não alimentar os gatilhos de instabilidade emocional.
Para finalizar, Ruiz faz uma citação de Caminha (2019), afirmando que a “saúde mental é um sinônimo de regulação emocional e quando as emoções desagradáveis são nomeadas e trabalhadas estamos desenvolvendo ferramentas para minimizar a ansiedade e o envolvimento com substâncias psicoativas, desenvolvimento de depressão e como consequência o bem-estar”.
“Lembre-se o paciente é o amor de alguém, mas você, médico-veterinário, também é o amor de alguém”, encerra.