O segmento de água e esgoto — regulado em nível estadual, ao contrário do setor elétrico, que opera sob uma regulação federal consolidada há mais de duas décadas — oferece menor visibilidade regulatória, o que pode colocar em xeque até empresas negociadas a múltiplos atraentes.
A Sabesp (SBSP3), por exemplo, projeta um crescimento anual composto (CAGR) de lucro por ação (EPS) acima de 20% em três anos e negocia a cerca de 10 vezes preço/lucro (P/L) — números que podem parecer bons demais. Esse risco de “miragem”, porém, pode ser atenuado pelo processo de revisão tarifária previsto para o segundo semestre de 2025.
O JPMorgan lembra que, nos últimos dez anos, os processos de revisão tarifária têm sido os principais catalisadores das ações do setor de saneamento. Nesse contexto, o banco vê como positivo o novo marco regulatório, considerado mais previsível para os próximos 35 anos. Segundo o JPMorgan, há poucas variáveis sujeitas a mudanças nesse horizonte, como a alocação de custos operacionais (opex) e o WACC após 2030.

Ainda assim, os analistas ressaltam que uma boa divulgação dos documentos regulatórios e a percepção de que a base de ativos regulatórios (RAB) será avaliada com critérios técnicos são fatores cruciais para sustentar a tese de investimento. Com isso, o banco manteve recomendação de compra e preço-alvo de R$ 140.
Riscos regulatórios
O JPMorgan avalia que três fatores regulatórios representam os principais riscos para a tese de investimento na Sabesp: a visibilidade limitada na conversão de capex em RAB (base de ativos regulatória), a possibilidade de lacuna entre receita regulada e realizada, e a fricção política diante de aumentos tarifários.
Risco nº 1
De acordo com os analistas, o novo marco regulatório da Sabesp apresenta dois diferenciais importantes em comparação com outras utilities:
Continua depois da publicidade
- Reconhecimento anual dos investimentos na RAB pelos próximos dez anos (versus revisões tarifárias a cada cinco anos entre os pares);
- Compensação financeira, ajustada pelo WACC (custo médio ponderado de capital), entre o desembolso do capex e seu reconhecimento na RAB.
Embora essas diferenças de timing possam impactar o lucro no curto prazo (P&L), o JPMorgan destaca que o efeito sobre o valor presente líquido (NPV) é neutro, uma vez que os valores serão compensados futuramente.
Entre as principais incertezas na conversão do capex em RAB, o banco aponta:
- O tempo de implementação: os ativos só entram na RAB quando estiverem totalmente operacionais;
- A metodologia de compensação: os investimentos passam a gerar retorno regulado e depreciação desde o desembolso, conforme já comunicado pelos reguladores.
Contabilmente, a Sabesp classifica obras em andamento como ativos contratuais e projetos operacionais como ativos intangíveis. No cenário-base do JPMorgan, é assumida uma conversão mais lenta do capex para a RAB, o que posterga parte do crescimento do EBITDA, mas não altera o NPV, devido à compensação via WACC. O modelo considera uma defasagem média de 1,5 ano para metade dos investimentos, de acordo com a metodologia de “RAB médio”.
Continua depois da publicidade
Risco nº 2
Segundo o JPMorgan, uma das principais limitações à rentabilidade da Sabesp ao longo do tempo foi a diferença entre a receita requerida pelo regulador e a receita efetivamente realizada — lacuna que, em alguns anos, teria variado entre R$ 1 bilhão e R$ 1,5 bilhão. Isso se deve a:
- Volumes superestimados pela agência reguladora;
- Descontos concedidos a grandes consumidores como forma de retenção.
Desde a privatização, a empresa passou a enfrentar esses desafios por meio de:
- Negociações com o regulador para incluir os descontos na base tarifária;
- Melhorias no processo de faturamento, com o objetivo de reduzir os desvios de volume.
No cenário-base do banco, a lacuna de receita deve diminuir para R$ 1 bilhão em 2025, cair para R$ 500 milhões em 2026 e ser eliminada a partir de 2027. Cada 1% de lacuna representa uma redução estimada de 2% no NPV.
Continua depois da publicidade
Risco nº 3
O JPMorgan estima que as tarifas da Sabesp devem crescer cerca de 22 pontos percentuais acima da inflação nos próximos cinco anos, refletindo o aumento da RAB. Contudo, reconhece que, como em toda empresa regulada, há risco de resistência política a reajustes tarifários reais.
Para mitigar esse risco, o governo do Estado de São Paulo se comprometeu a utilizar os recursos da privatização (mais de R$ 7 bilhões) para subsidiar os aumentos e garantir, para o consumidor final, reajustes alinhados à inflação passada.
Ainda assim, os analistas consideram a fricção política para aumentos tarifários como uma fonte relevante de percepção de risco regulatório elevado, especialmente se houver pouca transparência nas estimativas do regulador. O relatório inclui análises de sensibilidade para os três fatores de risco descritos.