Eles são a bola da vez. Nos eventos, nas palestras, nas redes sociais e até nas rodas de conversa entre amigos, o assunto gato ganhou força. O reflexo dessa notoriedade, ao longo das últimas décadas, levou a Medicina Veterinária brasileira a testemunhar a consolidação da Medicina Felina como especialidade própria, conquistando espaço acadêmico, científico e clínico.
O que antes era visto apenas como um desdobramento da Medicina de pequenos animais, hoje se traduz em residências exclusivas, congressos dedicados e clínicas estruturadas para atender exclusivamente pacientes felinos.
Nesta entrevista, a professora Heloisa Justen, titular de Patologia Clínica e Cirurgia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ)/ Medicina Dos Gatos Domésticos, fala sobre os avanços no cuidado com os gatos, os desafios do manejo clínico, as particularidades do comportamento felino, a importância do ambiente “cat friendly” e o papel da educação continuada para os profissionais que desejam atuar nesse universo em plena expansão.
Como você avalia a evolução da clínica e cirurgia felina no Brasil nos últimos anos?
Nas últimas três décadas, acompanhamos uma transformação no cenário da Medicina Felina em nosso país.
Podemos citar mudanças marcantes como uma maior receptividade das universidades em assumir disciplinas direcionadas aos gatos.
Vemos a criação das Ligas Acadêmicas de Felinos que são capitaneadas por discentes ávidos por conhecimento. Observamos os cursos de pós-graduação com a produção de teses e artigos científicos voltadas para os felinos.
E vivenciamos um importante marco, que foi a criação da primeira residência em gatos domésticos, aprovada pelo MEC, na Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro em 2015.
Some-se a isso, um maior empenho na elaboração e execução de cursos de especialização, congressos e simpósios direcionados a essa área e a criação da Academia Brasileira de Clínicos de Felinos (ABFeL).
Com certeza, todos comprometidos em melhorar a saúde e o bem-estar dos gatos através da educação continuada e investigação científica, buscando o que há de excelência no campo da Medicina e cirurgia felina.
Quais áreas da Medicina Felina ainda carecem de maior atenção ou atualização por parte dos profissionais?
A área da Medicina Felina que carece de maior atenção atualmente é a área das doenças infecciosas, devido ao aumento significativo das infecções pelo vírus da leucemia felina e pelo fungo causador da esporotricose felina.
As campanhas de vacinação deveriam ser mais frequentes nas Universidades e órgãos públicos para que os gatos não se infectem pelo FeLV, bem como o emprego de teste de diagnóstico.
Já a prevenção da Esporotricose é importantíssima, as cinco grandes regiões do Brasil vislumbram o aumento constante de novos casos de esporotricose humana e em gatos, no Rio de Janeiro é uma área hiperendêmica.
O desenvolvimento de vacinas, testes diagnósticos rápidos, controle populacional de animais de rua e a adoção de medidas que visem o conceito “One Health” carecem de uma maior atenção na Esporotricose felina.
Os gatos ainda são “pacientes silenciosos”? Quais são os principais desafios no diagnóstico precoce em felinos?
Sim, muitas vezes os gatos só irão demonstrar que estão doentes quando param de comer ou quando ficam prostrados, e, é nesse momento, que os tutores percebem que algo está errado e levam para nossos cuidados médicos.
Temos que buscar informações precisas no histórico e na anamnese, associado a um bom exame clínico com o emprego de exames complementares para o mais rápido possível elencar os possíveis diagnósticos diferenciais, para tecermos um prognóstico e tratamento.
Na sua opinião, o que mais contribui para uma longevidade saudável nos gatos hoje?

Percebemos uma crescente preocupação por parte da indústria em prover uma maior longevidade para os gatos, disponibilizando diversos produtos voltados exclusivamente para essa espécie, tanto no que tange às faixas etárias, como as patologias que afetam, principalmente, o trato digestório, trato urinário superior e inferior e sistema endócrino.
Esse apoio tem sido dado pela indústria farmacêutica, pela indústria de alimentos industrializados para gatos secos e úmidos, pelos laboratórios de vacina e de testes rápidos de diagnósticos, bem como inúmeros testes desenvolvidos pela técnica de biologia molecular como a Reação em Cadeia da Polimerase (PCR) para as principais doenças infecciosas (FIV e FeLV, Toxoplasmose, Giardíase e Panleucopenia Felina).
Não menos importante é a participação da indústria de artigos para clínicas veterinárias que vem se aperfeiçoando em itens para gatos como móveis, gatis, mesas, sondas urinárias e areias sanitárias que não absorvem a urina própria para a realização de exames.
Essa parceria com esses segmentos da veterinária tem sido fundamental para delinearmos melhores estratégias para a saúde dos animais.
Hoje com o auxílio da tomografia computadorizada, ressonância magnética e cintilografia temos identificado com maior frequência os casos de afecções neurológicas, neoplasias, “shunts“porto-sistêmicos, viabilidade renal, hepática e afecções ósseas e articulares em gatos.
E não podemos deixar de citar a enorme ajuda dos novos equipamentos de raios-X digitais DR (painel detector digital onde imediatamente a imagem é formada eletronicamente), que permitem reduzir o tempo médio do exame e do diagnóstico, o que contribui muito para um bom manejo hospitalar dos gatos.
Certamente nós veterinários já estamos colhendo fruto dessas mudanças. Já passa de trinta o número de clínicas particulares exclusivas para gatos no Brasil e, observamos um aumento no número de especialistas em felinos nas clínicas veterinárias que atendem animais domésticos.
Como tornar a clínica e o atendimento mais “cat friendly” na rotina veterinária?
Na rotina da clínica e cirurgia de felinos o objetivo é melhorar e padronizar a prestação de atendimento veterinário aos felinos.
Antenados nas solicitações dos proprietários de gatos, as associações internacionais lançaram várias iniciativas com destaque especial para o programa de “Clínica Veterinária Amiga do Gato” (“Cat friendly®”).
Este programa fornece suporte para os veterinários em traçar estratégias para a introdução de mudanças na prestação de cuidados que incorporam uma melhor compreensão das necessidades e comportamentos distintos do gato.
Segundo estas associações, faz-se necessário, a capacitação de médicos veterinários especializados no atendimento de felinos, bem como o surgimento de clínicas especializadas e a modificação na estrutura de clínicas veterinárias de animais domésticos (recepção, sala de atendimento e internação separada para gatos), adequando-as de forma a melhorar o atendimento desses animais minimizando o estresse e atendendo às expectativas dos proprietários.
Uma das maiores constatações observadas por informações obtidas através de questionários direcionados aos proprietários de gatos (Impacto da relação entre médico veterinário e proprietário no tratamento recebido por felinos domésticos) é a falta de visitas às clínicas veterinárias devido ao estresse associado com a obtenção, transporte e qualidade do atendimento desses animais.
Muitos responsáveis relatam que o seu gato odeia ir ao veterinário, que fica estressado só de pensar em trazer o seu gato para uma clínica, que só levam o gato no veterinário apenas para vacinação, outros dizem que só levam gato ao veterinário se este estiver doente e, muitos não têm conhecimento de cuidados preventivos de doenças.

