Por Juliana Sato, que atua desde 2023 com consultoria e atendimento em saúde mental para profissionais do segmento pet
Na minha atuação com profissionais do setor PETVET, percebo que a perda de um paciente permanece como uma das experiências mais silenciosas da Medicina Veterinária.
Ela faz parte do trabalho, mas não se torna simples com a repetição. Cada vida que chega reúne vínculo, responsabilidade e impacto emocional.
E quando isso não encontra espaço para ser reconhecido, se acumula de forma silenciosa.
O discurso técnico muitas vezes sugere que preparo profissional bastaria para atravessar qualquer desfecho. Mas o que observo cotidianamente em atendimentos, supervisões e pesquisas é outra realidade.
O vínculo nasce do cuidado, não da convivência. E o cuidado exige presença, mesmo quando o paciente chega anônimo, resgatado ou inserido em fluxos coletivos de saúde.
Em hospitais universitários, abrigos, ONGs, clínicas populares e na rede pública, grande parte dos atendimentos envolve animais sem tutor.
São casos marcados por urgência, vulnerabilidade social, políticas de controle populacional e acolhimento institucional.
Nessas circunstâncias, a perda assume outra configuração. Não existe a conversa de despedida, não existe a devolução da notícia e não existe uma narrativa familiar capaz de organizar o desfecho.
Resta o encontro direto entre o profissional e o limite da vida. E esse encontro não é neutro.
Essa dinâmica coletiva traz camadas que raramente são discutidas. Em muitos atendimentos, o veterinário é a única pessoa a reconhecer o valor daquela vida.
A perda, nesses casos, ecoa na equipe, nos voluntários, nos estudantes e na comunidade que acompanha esse trabalho. É um luto que não pertence apenas ao indivíduo. Ele se distribui pelo grupo.
Além do impacto da perda, existe o desgaste emocional que se constrói no acúmulo diário de decisões difíceis, responsabilização contínua e contato repetido com dor, incerteza e finitude.
Acompanhando equipes e serviços, observo que reconhecer esse impacto não altera a prática técnica. Ao contrário, sustenta a clareza clínica e ajuda a manter o cuidado possível dentro das condições reais de trabalho.
Os sinais desse acúmulo costumam ser sutis. Irritabilidade, distanciamento, dificuldade de se manter presente, rigidez nas decisões, cansaço persistente e sensação de esgotamento.
Em rotinas aceleradas, esses sinais passam despercebidos, mas afetam o cuidado, a comunicação e o funcionamento das equipes.

O setor PETVET avança em tecnologia, mas ainda carece de espaços para elaborar perdas, discutir limites e reconhecer saúde mental como parte do trabalho clínico.
Não se trata de sensibilidade exagerada. Trata se de realidade institucional. Decisões técnicas são tomadas por profissionais que carregam responsabilidade, dor e urgência todos os dias.
Integrar essas experiências ao cotidiano exige movimentos simples e possíveis.
Revisar casos com a equipe sem buscar culpados, nomear o impacto emocional do desfecho, assegurar pequenas pausas após atendimentos críticos e reconhecer que o trabalho em saúde, seja individual ou coletiva, envolve demandas emocionais reais.
Quando isso é levado a sério, a perda deixa de ser um peso solitário e passa a ser compreendida como parte da complexidade da prática veterinária.
Perder um paciente, com ou sem tutor, sempre será um desafio. Mas entender como esse impacto atravessa o indivíduo, a equipe e o contexto social criam um caminho mais sustentável para a Medicina Veterinária.
Um caminho que preserva o profissional, sustenta a técnica e fortalece uma prática que cuida da vida em todas as suas escalas.
FAQ sobre o lado da perda da Medicina Veterinária
Por que a perda de um paciente pode ser tão intensa para o médico-veterinário?
Porque cada animal atendido estabelece um vínculo com o profissional, envolvendo responsabilidade, cuidado e impacto emocional.
Por que a perda de animais sem tutor, como os atendidos em hospitais públicos, é ainda mais complexa?
Nesses casos, geralmente não há familiares para compartilhar a notícia, a despedida ou a narrativa do desfecho.
Como as instituições e equipes podem lidar melhor com o impacto emocional da perda?
Pequenos movimentos podem ajudar, como revisar casos sem buscar culpados, nomear o impacto emocional das situações difíceis e garantir pausas após atendimentos críticos.
LEIA TAMBÉM:
Livro que analisa o luto no universo pet e seus impactos na rotina veterinária é lançado


